Texto: Samuel Beckett Interpretação: Miro Bersi Trilha Sonora: Bruno Palazzo
Comissionado pelo Instituto Moreira Salles
Worstward Ho! estabelece uma relação entre a experiência de isolamento e a vivência interna com o texto homônimo de Samuel Beckett de 1983. O vídeo percorre, em um lento e contínuo movimento, o espaço de um apartamento reconstruído através do processo de fotogrametria. Essa câmera fantasmática observa o apartamento vazio, apontando tão somente para uma atenção sem foco que, ao cabo de um longo percurso retorna ao ponto de início. Entre a cadência rítmica do texto e a imagem fluida, o vídeo habita um tempo dilatado de leitura, que confunde espaços “reais” e “virtuais” ou um possível lugar mental, encerrado em si mesmo.
cabeça oca espuma de boneca, 2019
peça teatral sem atores / instalação no tempo
43’00”
Através de diversos dispositivos que animam objetos na ausência de atores, a peça explora as inquietantes possibilidades de projeção de um corpo (ausente) em peças antropomórficas e no próprio espaço. Sem indicar um protagonista e um desenvolvimento narrativo tradicional, os fragmentos de (não)acontecimentos torna a atenção do espectador dispersa entre a dessincronia de imagens e sons que mimetizam, em alguns momentos, uma certa “vivacidade” todavia mediada.
cabeça oca espuma de boneca é uma obra teatral sem atores onde figuram corpos, bonecos, manequins e fantasmagorias das mais diversas, explorando a repetição e a substituição enquanto formas poéticas e estratégias de construção e modificação do corpo. É um desenvolvimento da obra de Ilê Sartuzi que se anima dentro do próprio ambiente de produção, numa grande instalação no tempo. Os dispositivos que regulam a obra são transparentes e sua precariedade denuncia giros em vão de uma máquina que está prestes a fugir do controle.
Apesar da centralidade do corpo enquanto imagem, mesmo dos sons produzidos, seus resquícios são sempre a marca de uma ausência. Para além da subjugação desses corpos a tecnologias desmaterializantes e da diluição da ideia de corporeidade dentro de uma virtualidade luminosa, a peça explora um imaginário ligado a interioridade doméstica e aos exercícios infantis de imaginação. Essa familiaridade deslocada, no entanto, desperta um sentimento de estranhamento frente a esses objetos (in)animados.
Ilê Sartuzi: Concepção / Direção / Dramaturgia / Produção de objetos / Projeção de vídeo Marcus Garcia: Engenharia Mecânica / Mecatrônica / Programação Vicente Antunes Ramos: Colaboração em Dramaturgia CleverBot: Dramaturgia Bruno Palazzo: Desenho de Som Matheus Brant: Desenho e Operação de Luz André Vidal: Operação de Luz
Arnold Schwarzenegger: ator Danilo Arrabal: ator Giovanna Monteiro: atriz Hito Steyerl: atriz Julia Pedreira: atriz Maira do Nascimento: atriz Rafael de Souza: ator
Agradecimentos:
Bruno Ferreira Cia. Livre Daniela Machado Depois do Fim da Arte Dora Longo Bahia Eduardo Joly Fernando Lacerda Galpão do Folias Igor Vice Janina McQuoid Lara Girardi Caitano Marcelo Maffei Marina Lima Nina Lins Pedro Canales Pedro França Ricardo Carioba Ricardo Kugelmas Tiê Franco Brotto Victor Maia Wisrah Villefort
rrrrrrrr, 2018 resina de poliuretano e unhas postiças 17.5 x 14.8 x 17.5 cm
colaboração com Ana Matheus Abbade
montagem na exposição faço pé e mão no arte_passagem
ensaio, h, 2017 video HD, som 5.1 04’54”
O vídeo acontece dentro do espaço delimitado do interior de um apartamento. Além dos acontecimentos ordinários que o ambiente abriga, algumas projeções de outros espaços surgem, indicando lugares de desejo. A atividade de explorar, solitariamente, ambientes virtuais, é uma maneira de se projetar ou fantasiar lugares distintos do qual nos encontramos. A noção de heterotopia proposta pelo filosofo francês, Michel Foucault (1926-1984) é expandida pela virtualidade. Dessa maneira, você pode passear pelos corredores do MoMA ou aproveitar a brisa de uma praia paradisíaca enchafurdado em seu apartamento.
A Dollhouse Gallery é a constituição de uma galeria de arte contemporânea que se apresenta enquanto especulação artística. Um trabalho e seu meio de exibição ao mesmo tempo, a exposição como obra. É evidente que as condições e possibilidades de exposição de arte se transformaram drasticamente com as experiências de isolamento social e é na esteira dessas reformulações que Dollhouse Gallery se insere. Como uma reflexão – evidentemente com certo grau de ironia – das exposições em espaços virtuais, o trabalho assume algumas das características clichés do mercado de arte para construir essa galeria.
O trabalho consiste em um tour virtual dentro de uma casa de bonecas. Essa espécie de “viewing room” toma como modelo uma casinha criada para abrigar uma cena da peça cabeça oca espuma de boneca. Não só replica seus aspectos físicos, mas assume também, nesse pacote, a narrativa que impregnava essa casa de bonecas em seu contexto original (a cena pode ser assistida no sótão da casinha). Dentro da narrativa, a repetição era explorada enquanto forma. Aqui, essa repetição assume a característica de uma mise en abyme, onde não só a representação da casinha está dentro da casa de bonecas que retorna para ela mesma, mas também no desenvolvimento de um trabalho dentro do outro ao longo da pesquisa artística de Ilê Sartuzi.
O que está em jogo, portanto, é menos o conjunto de trabalhos que constituem essa exposição, do que a exposição em si que é tida como “objeto”. Assim como o dispositivo da Casa de Bonecas tornou-se um possível suporte para outras dramaturgias no espaço físico, a Dollhouse Gallery é, nesse sentido, um lugar virtual por excelência, isto é, existe como potência prenhe de possibilidades para outras ocupações artísticas.
agradecimentos de programação: tiê franco brotto e henrique casimiro
Night and Day, 2020 4’44”
Uma câmera desubstancializada percorre um trajeto dentro de um apartamento. Em seu lento e contínuo movimento, revela um espaço reconstituído através de fotogrametria – que gera uma reconstrução virtual do espaço real com eventuais falhas de leitura. Esse ponto de vista fantasmático observa um ambiente vazio, marcado por um sentimento de ausência, de um corpo que não está mais. No desenvolvimento do percurso, a câmera penetra um outro ambiente – idêntico ao anterior – mas envolto pela noite. Explora o mesmo espaço através do mesmo percurso estabelecido, escrutinando detalhes pouco relevantes, em um tempo dilatado de devaneio, quase mântrico.
O vídeo, portanto, reitera um mecanismo de repetição em loop pela continuidade desses dois espaços contíguos e idênticos. O cruzamento desses ambientes que esmiúça nada, aponta tão somente para uma atenção sem foco que, sucessivamente, retorna ao ponto de início e embaralha as diferenças de tempo em um mesmo espaço. Essa zona torna-se também um lugar mental encerrado em si mesmo, delimitado e infinito.
coluna (cabeças), 2018 látex e ferro 125 x 23 x 23 cm