nhonhô, 2020
vídeo HD, cor, som
09’46”

em colaboração com Giselle Beiguelman

nhonhô é a biografia possível de um palacete que atesta o delírio europeizante e o isolamento social da elite paulista do início do século 20. O personagem-título, o barão Carlos Leôncio de Magalhães, foi um dos reis do café do Oeste paulista, mesmo carregando pela vida o tratamento que os escravizados reservavam aos filhos dos senhores, Nhonhô. Ergueu sua mansão em Higienópolis – onde a burguesia se refugiava da cidade que crescia – com ideias, técnicas e matérias trazidas da Europa, para espelhar toda a sua glória terrena. Afinal, morreu antes da conclusão da obra. 

Prescindindo da imagem humana, a narrativa de nhonhô parte da reconstrução e da desconstrução virtual de elementos arquitetônicos de uma casa suspensa entre a ruína e um restauro que a incorporará ao ideal de beleza vigente no bairro quase um século depois de sua conclusão. Os arcos temporais que se estabelecem entre arquitetura e sociedade servem de lente à leitura da história do personagem e de outras histórias da cidade.

Interesses e pesquisas relacionadas de formas diversas ao ambiente digital e à arquitetura aproximam Giselle Beiguelman e Ilê Sartuzi, que trabalham juntos pela primeira vez em nhonhô. Sem acesso à totalidade do palacete, os artistas reencenam a casa com fragmentos de fotogrametria – “rodeados por um fosso de falta de informações”, segundo eles – e elementos de aleatoriedade, via inteligência artificial e machine learning.

Recortes conceituais e decisões formais vão se determinando. Um exemplo é a paleta temperada, outonal e nacarada, produzida por algoritmos que buscam parâmetros de colorização em bancos de dados europeus e estadunidenses. O “desvio” na cor de imagens históricas dos trópicos acaba por ecoar a ideia distorcida que a burguesia cafeeira tinha de si mesma, ao projetar, em São Paulo, uma espécie de Europa pessoal.

Com uma reflexão adicional sobre o bairro cujo nome significa literalmente cidade da higiene, e onde a parcela mais favorecida da população podia respirar sem medo das doenças que grassavam nos cortiços dos trabalhadores, nhonhô inaugura o canal de Estreias do Videobrasil Online. A partir dele, a plataforma abre espaço sistematicamente, entre exposições e curadorias, para a primeira exibição de obras que aportem visões novas, potentes e pertinentes sobre nossas complexas realidades.

Solange Farkas