O vídeo acontece dentro do espaço delimitado do interior de um apartamento. Além dos acontecimentos ordinários que o ambiente abriga, algumas projeções de outros espaços surgem, indicando lugares de desejo. A atividade de explorar, solitariamente, ambientes virtuais, é uma maneira de se projetar ou fantasiar lugares distintos do qual nos encontramos. A noção de heterotopia proposta pelo filosofo francês, Michel Foucault (1926-1984) é expandida pela virtualidade. Dessa maneira, você pode passear pelos corredores do MoMA ou aproveitar a brisa de uma praia paradisíaca enchafurdado em seu apartamento.
A Dollhouse Gallery é a constituição de uma galeria de arte contemporânea que se apresenta enquanto especulação artística. Um trabalho e seu meio de exibição ao mesmo tempo, a exposição como obra. É evidente que as condições e possibilidades de exposição de arte se transformaram drasticamente com as experiências de isolamento social e é na esteira dessas reformulações que Dollhouse Gallery se insere. Como uma reflexão – evidentemente com certo grau de ironia – das exposições em espaços virtuais, o trabalho assume algumas das características clichés do mercado de arte para construir essa galeria.
O trabalho consiste em um tour virtual dentro de uma casa de bonecas. Essa espécie de “viewing room” toma como modelo uma casinha criada para abrigar uma cena da peça cabeça oca espuma de boneca. Não só replica seus aspectos físicos, mas assume também, nesse pacote, a narrativa que impregnava essa casa de bonecas em seu contexto original (a cena pode ser assistida no sótão da casinha). Dentro da narrativa, a repetição era explorada enquanto forma. Aqui, essa repetição assume a característica de uma mise en abyme, onde não só a representação da casinha está dentro da casa de bonecas que retorna para ela mesma, mas também no desenvolvimento de um trabalho dentro do outro ao longo da pesquisa artística de Ilê Sartuzi.
O que está em jogo, portanto, é menos o conjunto de trabalhos que constituem essa exposição, do que a exposição em si que é tida como “objeto”. Assim como o dispositivo da Casa de Bonecas tornou-se um possível suporte para outras dramaturgias no espaço físico, a Dollhouse Gallery é, nesse sentido, um lugar virtual por excelência, isto é, existe como potência prenhe de possibilidades para outras ocupações artísticas.
agradecimentos de programação: tiê franco brotto e henrique casimiro
Night and Day, 2020 4’44”
Uma câmera desubstancializada percorre um trajeto dentro de um apartamento. Em seu lento e contínuo movimento, revela um espaço reconstituído através de fotogrametria – que gera uma reconstrução virtual do espaço real com eventuais falhas de leitura. Esse ponto de vista fantasmático observa um ambiente vazio, marcado por um sentimento de ausência, de um corpo que não está mais. No desenvolvimento do percurso, a câmera penetra um outro ambiente – idêntico ao anterior – mas envolto pela noite. Explora o mesmo espaço através do mesmo percurso estabelecido, escrutinando detalhes pouco relevantes, em um tempo dilatado de devaneio, quase mântrico.
O vídeo, portanto, reitera um mecanismo de repetição em loop pela continuidade desses dois espaços contíguos e idênticos. O cruzamento desses ambientes que esmiúça nada, aponta tão somente para uma atenção sem foco que, sucessivamente, retorna ao ponto de início e embaralha as diferenças de tempo em um mesmo espaço. Essa zona torna-se também um lugar mental encerrado em si mesmo, delimitado e infinito.
coluna (cabeças), 2018 látex e ferro 125 x 23 x 23 cm